“Esta promiscuidade é muito grave” Ex Presidente da ADoP

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Record - De acordo com a Agência Mundial Antidopagem, Portugal está em primeiro lugar no combate ao doping no futebol. Isto no que diz respeito ao passaporte biológico. Entende que foi este facto que terá levado a que o mundo do futebol o quisesse afastar da liderança da Autoridade Nacional Antidopagem (ADoP)?

ROGÉRIO JÓIA – O futebol manda muito no nosso país, mas o Governo, ao deixar-se condicionar, é que teve responsabilidades na minha não recondução.

R - Mas esta não foi uma distinção importante para o país?

RJ - Quando cheguei à ADoP, Portugal não tinha introduzido o passaporte biológico no futebol. Fui eu que o fiz. Portugal, no âmbito da Liga, controlava fora de competição quatro atletas por sorteio em cada clube e apenas através da urina. Quando cheguei à liderança da ADoP, passámos a controlar todo o plantel, através de amostras de urina e, muitas vezes, com EPO [Eritropoietina] e com o passaporte biológico.

E, mesmo assim, quando introduzi estas medidas, fui criticado por certas pessoas. Agora, toda a gente diz que este é o caminho certo. Até a UEFA e a FIFA nos seguiram.

R - Pensa que, com o novo presidente da ADoP – Manuel Brito – vamos voltar ao antigamente, com controlos a quatro atletas por sorteio em cada clube?

RJ - Não é correto dizer-se mal das pessoas sem as deixarmos antes trabalhar, e o novo presidente ainda agora começou. Deixem-no trabalhar sossegado, porque o combate à dopagem precisa de trabalho aturado e descansado. E mais: Sempre que necessitar, terá a minha colaboração. Não sou como alguns amigos dele. Sou um homem de caráter e que coloca o interesse público em primeiro lugar.

R - Em entrevista anterior referiu que o Comité Olímpico Português (COP) tentaria meter alguém no seu lugar, alguém que eventualmente pudesse controlar. Curiosamente, foi nomeado alguém que vem da área do COP

RJ - Pois… É verdade. Esta promiscuidade entre o secretário de Estado, o COP e esta ADoP faz-me recordar o escândalo de doping na Rússia, que levou à proibição dos atletas russos de competirem internacionalmente. Isto não é só o que é, mas também o que parece. Esta promiscuidade é muito grave para o desporto português. Por isso é que toda a gente diz que o desporto português é só corrupção...

R - Mas existem, na sua ótica e com base na experiência que já teve, indícios de corrupção?

RJ - É só ver esta promiscuidade. A resposta é simples. Deixe-me que lhe diga que já fui abordado por anónimos que me disseram: "Como é possível o Governo dizer que combate a corrupção e depois permitir esta promiscuidade. Afinal, é tudo uma mentira". Sabe o que digo aos portugueses? Felizmente, 90 por cento dos nossos atletas são honestos. Mas já estamos a ganhar mais medalhas, veja-se o caso de Minsk. Como alvitrei publicamente, tinha razão.

R - Já disse que, a partir do momento em que introduziu o passaporte biológico no futebol, deixou de ser convidado pela FPF para estar presente na final da Taça de Portugal e pela Liga na final da Taça da Liga. Entende isto como retaliação por querer um futebol limpo?

RJ - Sim, entendo. Isso é público. Terá de perguntar às entidades em causa, Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e Liga. Mas agora está tudo bem. Fica tudo em família! Mais medalhas e menos controlo...

R - Como é que se sentia ao não ser convidado para esses eventos?

RJ - Enquanto presidente da ADoP, não tinha que ter sentimentos acerca de convites ou da falta destes. Qualquer entidade convida para a sua casa quem lhe aprouver. E não tenho dúvida de que, a partir de agora, esses convites serão todos efetuados…

R - Se fosse presidente da FPF ou da Liga, convidaria o presidente da ADoP para os eventos?

RJ - Obviamente que convidava, até para mostrar publicamente que queria um futebol limpo. É que o futebol é o desporto dos milhões... Não só de milhões de pessoas, como também de milhões em dinheiro e, consequentemente, de milhões em influência. E nesta situação não basta ser sério, tem de se parecer.

R - Está a dizer que há, efetivamente, ligação entre não compactuar com um futebol sujo e não ser convidado para os eventos da FPF e da Liga?

RJ - Gosto de dizer a verdade e, por isso, não vou responder. Sobre este assunto, prefiro não dizer o que acho e penso.

R - Mas entende que é o Governo que não quer seriedade e transparência?

RJ - O secretário de Estado, na última conversa que teve comigo, na presença do seu chefe de gabinete, disse-me que estava muito aborrecido porque eu tinha, numa entrevista que dei a um jornal desportivo, dado a entender que o Governo ou me reconduzia ou capitulava à vigarice. É importante ficar bem expresso que, em função daquilo que o secretário de Estado da Juventude e do Desporto (SEJD) me disse, percebo que aquilo que o aborreceu não foi o que me alegou, mas sim o facto de se saber publicamente que ele podia capitular à vigarice. Ou seja, o problema era o saber-se publicamente que este tipo de coisas poderiam acontecer em Portugal.

R - O que o leva a pensar dessa forma?

RJ - Quando um Estado se deixa influenciar por forças que não querem e têm medo de ser controladas, este é o primeiro passo para a sua destruição. Também me deu a entender que o caso Rúben Almeida - um atleta que a Federação Portuguesa de Ciclismo quis absolver e a ADoP e o Conselho Nacional Antidopagem (CNAD) deram oito anos de punição está a correr no Ministério Público (MP) e que este atleta não significava muito. Bem… é 'só' um campeão nacional. Mas mesmo que não fosse, a seriedade é uma questão de princípio. Para alguns. Para outros, já percebi que não...

R - Reafirma, então, que o Governo não quer isenção no doping?

RJ - Entenda uma coisa: o presidente da ADoP pode ser amigo de outros agentes desportivos, mas não tem forçosamente que se dar bem com eles. Até é bom que seja o mais afastado possível. Dou-lhe um exemplo analógico, por absurdo: o diretor nacional da Polícia Judiciária (PJ) não tem que ser amigo da associação de marginais da Margem Sul. Para ele e a PJ fazerem bem o seu trabalho.

É como o presidente da ADoP. Trata-se de uma autoridade fiscalizadora e a promiscuidade atual facilita a corrupção e a utilização do doping. Mas o secretário de Estado, se pensasse assim, não teria nomeado alguém do COP e ter-me-ia reconduzido. E, infelizmente, o ónus cai em cima do novo presidente da ADoP, que eu acho que pode não ter culpa nenhuma desta situação. Com quase 70 anos de idade, só quis servir os seus amigos Constantino, secretário de Estado e ministro da Educação.

R - Nunca fala do ministro que o tutelava, o da Educação…

RJ – Pois não... Depois de saber o que ele e o secretário de Estado disseram, alegadamente a alguém, nas instalações de um hotel em Caminha, nos dias 28 e 30 de julho de 2017, durante a Conferência de Ministros da Juventude e Desporto da CPLP, prefiro sinceramente não o fazer. Até porque já dei disso conta através de participação ao Ministério Público, conforme é dever de qualquer funcionário público.

R - Diz várias vezes que é um homem sem medo. Vai dizer o que eles disseram?

RJ – Não. Se o senhor primeiro-ministro quiser saber, que lhes pergunte ou que me chame, que eu digo-lhe olhos nos olhos. Digo-lhe e com provas! Um governante não pode pensar nem dizer que uma instituição está acima da lei. Mas, por agora, não quero falar mais disso, porque presumo que o caso estará já em segredo de Justiça.

R - O ministro da Educação e o secretário de Estado ameaçaram alguém? Pediram favores?

RJ – Já disse que não quero falar mais sobre isso...

R - Mas o interesse público não é relevante?

RJ – Isto para além de ser matéria de análise criminal, cheira-me mal. É repugnante e nojento. Mas deixe-me só dizer-lhe acerca disto mais uma coisa. É que, segundo me disseram, estavam várias testemunhas a ouvir, quer da Secretaria de Estado, quer da Administração Pública. Quanto às últimas, uma delas, segundo sei, nunca se pronunciou sobre estes factos. A outra replicou para várias pessoas as conversas tidas pelo ministro e secretário de Estado e disse também que tinha medo de assumir estas conversas, porque tinha medo que, se o fizesse, poderia perder o lugar de chefia de Divisão.

No entanto, replicou para várias pessoas que estão dispostas a testemunhar. Veja bem a gravidade. Ter medo de perder o lugar. O medo que estes governantes provocam às pessoas. Não quero acreditar que estes comportamentos sejam transversais ao Governo. Diga lá se isto é sério e honesto? Este caso é pior do que o de Tancos, porque revela alegada falta de isenção!

R - ...

RJ – É tudo muito, muito grave. É que, infelizmente, o futebol e o COP mandam no país.

R - Pela data em que ocorreram os alegados factos, tem a ver com a interdição de algum estádio de futebol?

RJ – Não vou responder.

R - Porquê?

RJ – Porque tinha de dizer a verdade. Quando isto for público, o ministro e o secretário de Estado terão de ser demitidos na hora.

R - Apesar de todas estas críticas e de toda a polémica que marcou a sua saída da ADoP, vai marcar presença na Soccerex [5 e 6 de setembro, na Cidade do Futebol, em Oeiras], como especialista no combate ao doping...

RJ - Sim, é verdade. Fui convidado para falar da minha experiência única na ADoP, que, segundo a AMA [Agência Mundial Antidoping], está à frente em todo o Mundo no combate ao doping no futebol, inclusivamente no que diz respeito à UEFA e à FIFA. Apesar de haver alguma gente que não gostava desta seriedade e transparência em Portugal... Tanto é assim, que o secretário de Estado do Desporto não me reconduziu como presidente da ADoP.

R - É público que tentaram roubar as amostras do Sporting-Benfica. O que pode adiantar mais sobre este caso?

RJ –Essa situação está em segredo de Justiça, pelo que não posso adiantar muito sobre isso.

R - É público que é amigo pessoal do juiz Carlos Alexandre, que ordenou a detenção do ex-primeiro-ministo José Sócrates. Também é público que o atual secretário de Estado do Desporto [João Paulo Rebelo] era presidente da Movijovem ao tempo do Governo de José Sócrates e que terá, alegadamente, pago ao Grupo Lena uma quantia de cerca de 900 mil euros por obras nunca feitas.

Também é público que o Grupo Lena era a construtora utilizada por José Sócrates nos alegados esquemas de corrupção que estão em investigação na operação Marquês. Acha que a sua não recondução é uma retaliação por tentar combater a corrupção e ser amigo do juiz Carlos Alexandre?

RJ – Não traga o dr. Carlos Alexandre para esta situação, porque ele já é perseguido o suficiente pelo facto de ser um homem sério e corajoso. Em Portugal os homens sérios, corajosos, que combatem a corrupção e que enfrentam lóbis são perseguidos e não reconduzidos.

Mas, claro, tenho de acreditar que haja ligação e que esta seja uma das razões para a minha não recondução. Afinal, o secretário de Estado era o presidente da Movijovem e a ligação dele ao eng. Sócrates e ao Grupo Lena é publicamente conhecida. Mas quero acreditar que o primeiro-ministro nada sabe disto. Porque tenho dele a ideia de que, se soubesse, isto levava uma volta...

R - Ou seja, acredita que António Costa demitia o secretário de Estado e o ministro?

RJ - Acredito que o fará na hora. Nessa conversa que tive com o secretário de Estado, o mesmo mostrou-se incomodado pelo facto de, nessa tal entrevista referida atrás, me ter sido dado espaço para eu falar dos meus cães e dos meus amigos. Não fui eu que trouxe para a entrevista o facto de o dr. Carlos Alexandre ser meu amigo, inclusivamente até disse ao jornalista que achava que isso não era relevante.

Está escrito na entrevista em causa e já o voltei a referir aqui, nesta entrevista. Mas é óbvio que não foram os meus cães que o incomodaram. Eu percebo bem quem foi o meu amigo que o incomodou. A ele e certamente ao eng. Sócrates…

R - Mas, afinal, no meio de tantas críticas, por que é que acha que não foi reconduzido?

RJ - Porque o secretário de Estado acatou a recomendação do José Manuel Constantino [presidente do Comité Olímpico Portugal] e dos amigos, pelo facto de me acharem 'persona non grata', em função da eficácia demonstrada no combate ao doping, que pode ser confirmada pela análise dos números desde que presidi à ADoP. É só verem as estatísticas. Competência e sucesso no combate ao doping são coisas que algumas pessoas não querem.

E o que o Governo quer são medalhas como as de Minsk e não a 'chatice' do combate ao doping. E hoje não, porque ainda tenho muito para contar e isto deve ser bem digerido, mas na altura certa direi por que é que o COP tem a Secretaria de Estado do Desporto na mão…

R - Então, diga já...

RJ - Não, isto tem de ser bem digerido, para as pessoas saberem o que realmente se passa.

R - Então entende que foi o facto de tentar combater a corrupção que levou o Governo a não o reconduzir?

RJ - Percebi que queriam roubar as amostras do Benfica e do Sporting e denunciei-o à PJ; denunciei ao MP a falsificação do caso Rúben Almeida, quando a FPC do vice-presidente do COP, Artur Lopes, o queria absolver e a ADoP, sob a minha presidência, lhe aplicou oito anos de suspensão; denunciei ao MP o caso de Caminha, quando o ministro e o secretário de Estado, alegadamente, disseram que há instituições que estão acima da lei.

O resultado de tudo isto foi que não fui reconduzido. Isto é um sinal claro do Governo para qualquer dirigente da Administração Pública: caso esteja perante uma situação de corrupção, não a deve denunciar. É um convite à cumplicidade com a corrupção. Por isso, quando se diz que se combate a corrupção, não é verdade. E por isso é que somos considerados um dos três países mais corruptos da Europa.

R - Acha que o primeiro-ministro sabe disto? Ou que perante estes factos vai demitir o secretário de Estado e o ministro?

RJ - Não pode saber, porque isso era dar razão a quem diz que era o segundo ministro do eng. Sócrates. Por isso, acredito que vai demitir o ministro da Educação e o secretário de Estado do Desporto. Se assim não for, como dizia um vizinho meu há pouco tempo e um pouco na brincadeira, um pouco a sério: como há dias nacionais para tudo, o primeiro-ministro podia criar um dia a favor da corrupção.

RJ - "Apetece-me voltar à PJ"

R - Se em função destes factos o primeiro-ministro o convidasse para voltar a ser o presidente da ADoP, aceitaria?

RJ -Não sei. Sabe que me apetece voltar à PJ, onde posso prender os bandidos e não apenas falar com eles ou sobre deles. Só quero que se cumpra a lei e que a mesma seja igual para todos. Para voltar a ser presidente da ADoP, muita coisa tinha de mudar. Para já, tinham de me dar garantias que as pessoas que me tutelavam seriam gente séria.

RJ - "Eu ia-me embora daqui a 5 anos"

R - Percebe- se que sentia a pessoa certa no lugar certo...

RJ – Acho que nesta conjuntura em particular, até com casos como o do roubo de amostras a serem investigados e com governantes a dizer o que terá sido alegadamente dito em Caminha, eu teria de ser reconduzido na presidência da ADoP. Lamento, mas considero que qualquer outra forma é querer o branqueamento destas situações e, alegadamente, demonstrar aquilo que alguns anónimos já me disseram, que é querer a corrupção.

Quando as pessoas me dizem isto, eu fico calado por uma questão institucional, mas já o ouvi muitas vezes. Se tivesse ficado como presidente, ir-me-ia embora daqui a cinco anos, porque tenho a opinião que ninguém deve estar no cargo mais do que dois mandatos, na medida em que, diz-nos a experiência, muitos anos nos cargos dá pelo menos comportamentos absolutistas.

 
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